segunda-feira, 1 de junho de 2009



ESTÓRIAS DO DÍVINO
No tempo em que eu me criei, não havia no Nordeste, nem televisão, nem outras distracções, que ocupassem os serões, aparelhos de rádio havia pouco, de forma que as famílias juntavam-se em casa de uns dos outros para ouvir a radionovela a «Gata» ou outra. que tinham tanto ou mais valor que hoje em dia tem as telenovelas para muitos dos portugueses. Ainda se ouvia em dias alternados os fados pedidos, ou os serões para trabalhadores, ouvindo-se estes muito mal, uma vez que a então Rádio Nacional, hoje RDP, ouvia-se com altos e baixos, de forma que nesses dias, ouvia-se estórias do passado, e nesta ilha que era assolada por vulcões, por abalos de terra o Divino Espírito Santo, tinha papel preponderante nas estórias que se contava, assim nesta Segunda-Feira do Espírito Santo, resolvi contar estórias que minha avó contava e de segundo ela eram verídicas.
Para quem não conhece o que é a festa do Espírito Santo, digo que segundo a minha avó, que por acaso chamava-se Maria do Espírito Santo certamente devido à fé que os meus antepassados tinham no Divino, mas como dizia, consistia na coroação na distribuição de carne, vinho e pão pela população, sendo apenas estes bens pagos pelos mais ricos, logo era uma festa de partilha.
Contava minha avó que uma família muito pobre, mas honrada caiu-lhe em sorte neste ano fazer a dispensa ( nome que se dá à ultima dominga do Império) e as pessoas endinheiradas do Nordeste duvidaram que aquela família fizesse chegar aos mais pobres as pensões ( carne, vinho e pão) pelo que recusaram dar dinheiro à família dispenseira nesse ano, assim esta vivia com muita apreensão de como iriam distribuir as pensões nesse ano uma vez que não tinham verba para as adquirir, combinaram então matar um vitelo que possuíam, mas na véspera da morte do vitelo ou seja na Sexta-Feira do Espirito Santo, pela noite dentro sentiu-se um chiar de rodado de carros de bois, pararam à porta do Dispenseiro (chamado de Imperador) e chamaram-no, quando o dito veio à porta, viu em senhor com uma aguilhada (o que se tangia os Bois) os carros cobertos por lençóis alvos como a neve carregados com a carne já dividida em pensões, o pão em grande quantidade enfeitado com uma rosa em cada pão, e o vinho, dizia minha avó que segundo lhe contava o pai tinha um cheiro e um gosto que não se encontrava na ilha, o Senhor da aguilhada dirigiu-se ao Dispenseiro e disse: - «É aqui que mora o Imperador do Império da Festa?» respondeu este um pouco intimidado «é sim Senhor», disse o Senhor aos homens que conduziam os carros «despejai a carne, o pão e o vinho, e tu homem de fé não precisas matar o teu bezerro (vitelo) porque aqui tens as pensões, o Homem abraçou-se à mulher e choraram os dois enquanto os carros eram descarregados depois a mulher disse «eh homem de Deus nem ajudas a descarregar os carros nem agradeces ao senhor que tanto bem nos faz» vieram à porta mas como por artes magicas viram que estava tudo descarregado e dos carros nem dos homens se vias rasto, toda a gente daquele tempo atribuía esta passagem a um milagre do Espirito Santo, como tantos outros que ele fez nestas ilhas.
Outra estória que ela contava era que por altura do vulcão de Vila Franca do Campo, que foi um vulcão que encheu a ilha de cinzas vulcânicas, que se tinham lembrado de levar uma Coroa do Espirito Santo até perto do Vulcão, e que este que expelia lava e fumo como nunca, à medida que o Divino se aproximava em cortejo com muitos pessoas a dar louvores ao Espirito de Deus, o vulcão acalmava e que chegaram até perto da «boca» do Vulcão, tendo este cessado a sua actividade.
Uma outra Estória que também envolvia o Divino.
Contava ela que uma vez o mar sem razão aparente começou a subir e subiu tanto que chegou a levar alguns barcos e barracões onde estes estavam, ora existia nas courelas um santo homem muito devoto do Espirito Santo e pegou numa Corroa do Divino, pelo caminho as pessoas juntaram-se a ele a rezar e durante o trajecto o mar subia e as pessoas estavam cheias de medo tendo o transportador da Coroa dito «Confiem no Espirito Santo que ele nos há-de valer e assim foi quando chegaram ao miradouro do Arnel o mar quase que chegava onde hoje é o farol, mas quando o Homem levantou a Coroa, o mar recuou, dizia minha avó «de Levada» depressa.
Não sei se estas estórias são ou não verdadeiras, se têm ou não mão do Divino, como sou um homem de fé penso que sim embora também haja explicações lógicas para os casos. O que sei é que nada une os Açorianos como o Divino, basta dizer que não havia casa nova que fosse forrada que não fosse hasteada a bandeira do Divino, os Açorianos até escolheram a Segunda feira após a celebração da descida do Espirito Santo sobre os apóstolos e Maria Santíssima o dia da Região, sendo Feriado Regional.
Nordeste 1 de Junho de 2009-06-01

1 comentário:

João Luís Tavares Silva disse...

Caro Zulmiro,
Li com muito interesse e achei magníficas as estórias da tua avó. Que me lembre também em S. Pedro da Ribeira Seca havia festas do Divino Espírito Santo embora com um certo distanciamento dos nossos párocos porque eram muito profanas.

Numa dessas festas,tinha uns oito ou nove anos, a matança dos gueixos foi feita numa terra do meu tio avô Jacinto e marcou-me para sempre porque os homemns encarregados do trabalho davam duas ou três pancadas na cabeça dos animais com a parte de trás de um grande machado para ficarem inconscientes e depois sangravam-nos. Uma autêntica selvajaria porque não quiseram, provavelmente para poupar uns tostões, contratar um magarefe que os abatia com a choupa.

Um abraço e boas férias